quinta-feira, 30 de janeiro de 2014


AMOR CATÓLICO


Me apaixonei pela CDF da classe, a doce Patrícia. Pele alva, longos cabelos negros e notas máximas: era a chamada “primeira aluna da turma”, sempre observada por um bando de pré-adolescentes mal-ajambrados (que nunca se cansavam de fazer gracinhas e inventar apelidos - o que hoje certamente seria tipificado como “bullying”).

Lá no fundo todos se derretiam com seus gestos delicados, com as intervenções brilhantes - que contrastavam com a voz fina e trêmula. Ninguém até então havia tido o privilégio de vê-la tirando os óculos fundo-de-garrafa, que já faziam parte de sua mística, de seu mistério.

Em certo dia chuvoso eis que vi Patrícia deslizar solitária para o canto do pátio, após a sirene que determinava o fim do intervalo de recreio. Ela não havia percebido que eu a observava, escondido atrás de uma pilastra. De repente levantou o rosto e pude vê-la: absolutamente vesga, assustada, olhando em minha direção. Os olhos estrábicos - repentinamente desnudos - me atingiram de forma violenta.

Ela recolocou os óculos desajeitadamente, arrumou o crucifixo entre os seios e fingiu não me conhecer. Tentou recuperar sua correção impoluta, seu ar determinado, sua aura celestial. Para mim, no entanto, nada seria como antes. Não parava de espiá-la, perdidamente apaixonado. 

Então cometi o primeiro pecado, a ser confessado antes da Primeira Comunhão: desejei que ela levasse um tombo, que seus óculos se espatifassem, que ela ficasse vagando pelo pátio, tonta e vesga – eu seria o primeiro a socorrê-la e a libertá-la, mostrando que só eu entendia sua poesia, sua fuga, seus olhos dissonantes.





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