terça-feira, 29 de outubro de 2013


A ÚLTIMA FOTO DO VELHO LULU

Os velhos nos lembram
que a gente também vai ficar velho
(cacete)
eu também vou ficar velho?
(cacete)
a cara de um velho passa a ser assim
a incômoda lembrança de nossa velhice futura
os velhos não lembram de muita coisa
nós também não lembramos
que vamos ficar velhos
(cacete)
melhor assim

                              Cacete!

domingo, 20 de outubro de 2013


AMOR

De repente se pega ouvindo elton john amarradão, se comprometendo a visitar pessoas, oferecendo dinheiro emprestado a desconhecidos, esquecendo o caminho de casa, deixando batatas no fogo até virarem suco.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013


CRUZ OU ASAS  

Ela me olhou arrastando-se pela parede
ela fez olhos tristes que caíam com a tarde
ela parou em minha frente no meio da festa
ela olhou a minha testa e depois um direto
no meio do nariz, seu olho reto
ela fugiu do meu beijo, depois agarrou meu queixo
e depois de me provar fez nas mãos sinal de já deu
e se foi
pro outro lado da festa, pro outro lado do mar
se agarrar com outras pessoas, sentir o gosto 
de outras línguas, sussurrar em outros ouvidos
coisas que não imagino
só depois me lembrei do que ela me disse
que o seu nome começa com um tê 
e que isso é uma cruz em suas costas
que ela carrega até um dia
pois quer sair do próprio nome, do próprio corpo 
deixar pra trás a escritura, a tortura de ser um




sábado, 5 de outubro de 2013


A CASA TOMADA II


De repente percebi que morava em uma casa enorme, com um jardim selvagem e trepadeiras subindo pelas paredes. Um amigo pediu pra ficar um tempo e então percebi: eram três amigos. Festas diárias, reuniões políticas, eu me sentia importante e admirado. Alguém espalhou o boato de que eu seria o líder de uma comunidade hippie. Todo dia chegava alguém com uma nova ideia ou saber.

Em certa manhã chuvosa fui revirar os papéis, procurar a escritura, ter certeza de que a casa era minha. 

Me deparei com a cena desoladora. As traças tomaram o armário e o baú de documentos desapareceu. Foi nesse dia que percebi: não era uma casa, eram duas! Planejamos uma grande festa pra comemorar o fato, nunca me senti tão feliz. Foi durante a festa que descobri que as construções não eram germinadas: havia uma ponte que permitia a passagem. Em seguida avistei um grupo de índios a utilizar o espaço, organizando seus rituais bem em cima da ponte. A partir desse instante, eu sempre teria que esperar o intervalo entre as pajelanças a fim de cumprir minhas necessidades fisiológicas e alimentares, já que a cozinha ficava em uma casa e o banheiro na outra.

De repente me endureci, me dei conta de que a propriedade efetiva do imóvel estava ameaçada. Como eu faria se quisesse vender a casa? Teria um trabalho imenso para expulsar tanta gente. Lembrei dos papéis, eles haviam desaparecido! O incômodo veio junto com o medo. Ao ter que atravessar a ponte, reparei na cara vermelha de um dos índios. Seu rosto parecia tenso e sua lança afiada demais. Cismei que eu teria de pronunciar uma palavra pois era ela que me abriria o caminho, permitiria a passagem. Inventei uma expressão: ABRADANGA BURUNDANGA! Em câmera lenta, o índio levantou a lança. Não esperei a conclusão. Saltei no vazio, como se tivesse asas.



quinta-feira, 3 de outubro de 2013

    POETA PANDA ADOECIDO

   Difícil é cair no mundo de verdade, abrir espaços no real a porretadas de poesia, difícil é se integrar às pessoas de um modo menos raso, mercado-lógico.  Nada fácil, mesmo que seja um dia de ócio e passarinhos. Há mais de um mês ninguém lhe toca, suas mãos não conseguem tocar alguém, seus poemas lhe parecem quinquilharias empoeiradas.

  E que se danem seus poemas, ele queria era ter os arroubos poéticos de outro tempo, a sensação de estar vivo, as eletricidades dançantes, o humor que vinha de graça.


  Esquisito como um urso panda adoecido, um jacaré partido ao meio. Não vislumbra efeitos, gira em torno de idéias. A vida pede: mexa tudo em torno, se livre de tanto pensamento. Só a desistência parece fazer sentido. E quando ele surge (um abandono radical do futuro, o fim de tanto projeto) sente algo inflando o peito: janelas vão se abrir, as perguntas simples vão voltar, o dia de hoje.