sábado, 5 de outubro de 2013


A CASA TOMADA II


De repente percebi que morava em uma casa enorme, com um jardim selvagem e trepadeiras subindo pelas paredes. Um amigo pediu pra ficar um tempo e então percebi: eram três amigos. Festas diárias, reuniões políticas, eu me sentia importante e admirado. Alguém espalhou o boato de que eu seria o líder de uma comunidade hippie. Todo dia chegava alguém com uma nova ideia ou saber.

Em certa manhã chuvosa fui revirar os papéis, procurar a escritura, ter certeza de que a casa era minha. 

Me deparei com a cena desoladora. As traças tomaram o armário e o baú de documentos desapareceu. Foi nesse dia que percebi: não era uma casa, eram duas! Planejamos uma grande festa pra comemorar o fato, nunca me senti tão feliz. Foi durante a festa que descobri que as construções não eram germinadas: havia uma ponte que permitia a passagem. Em seguida avistei um grupo de índios a utilizar o espaço, organizando seus rituais bem em cima da ponte. A partir desse instante, eu sempre teria que esperar o intervalo entre as pajelanças a fim de cumprir minhas necessidades fisiológicas e alimentares, já que a cozinha ficava em uma casa e o banheiro na outra.

De repente me endureci, me dei conta de que a propriedade efetiva do imóvel estava ameaçada. Como eu faria se quisesse vender a casa? Teria um trabalho imenso para expulsar tanta gente. Lembrei dos papéis, eles haviam desaparecido! O incômodo veio junto com o medo. Ao ter que atravessar a ponte, reparei na cara vermelha de um dos índios. Seu rosto parecia tenso e sua lança afiada demais. Cismei que eu teria de pronunciar uma palavra pois era ela que me abriria o caminho, permitiria a passagem. Inventei uma expressão: ABRADANGA BURUNDANGA! Em câmera lenta, o índio levantou a lança. Não esperei a conclusão. Saltei no vazio, como se tivesse asas.



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