sexta-feira, 27 de setembro de 2013


FATAL

Ela parece um gato, ou uma cobra
me ataca de repente, do nada
estica uma perna em minha direção
quase me toca, enquanto se estica
como apontasse uma seta
ou um dedo em meu peito
ela me tira do sério
me tira dos eixos

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

AULA DE MORAL E CÍVICA NO INSTITUTO ABEL

("O TÓXICO LEVA AO SEXO, O SEXO LEVA AO TÓXICO")


Você conhece a velha mentira do diabo. Um pouco não faz mal! Ele sempre começa com um pouco: um pouco de bebida, um pouco de fumo, um pouco de farra. Assim por diante. Começei tomando uma cerveja. Cerveja parece tão inocente, não faz mal. A gente não fica satisfeito com a pequena dosagem Lá vai o vinho, vai licor, vai pinga, vai maconha, cocaína, coisas mais fortes! É um círculo vicioso. Junto com estes vícios vem que a gente começa a olhar para o outro sexo.





sexta-feira, 20 de setembro de 2013


RUMINANTE

Entre os cavalos do cortejo, havia um que exibia evidente revolta, obrigava o condutor a chicoteá-lo com força crescente e quase derrubava a carruagem: que se explodam a Duquesa da Cornuália, o Arcebispo de Canterbury, a Fanfarra Monumental e o Coro Celestial. Ele não trotava como os outros, não seguiria em frente por conta própria. Os súditos da rainha comentavam sobre a beleza invulgar daqueles cavalos, enquanto agitavam suas bandeirolas e soltavam gritinhos de admiração.


terça-feira, 17 de setembro de 2013



(belos movimentos)

Eis que uma aranha passou sorrateira e se escondeu atrás da estante
eis que um gato branco e cinza desceu a escada e fez um passeio
pelo subsolo do prédio


















Começei a nadar sobre o colchão casa afora
ela tremia com a minha desforra
sua tirânica arrumação
não aguentava o meu nado
nada sincronizado

O meu barco dormia
sobre as ondas
e eu nadava
sem pena da água

quarta-feira, 11 de setembro de 2013



FILA DE CASA LOTÉRICA

Um garoto gorducho com uniforme de colégio público, um senhor grisalho de colar prateado, um outro de meia-idade com óculos pendurados na gola da camisa, um careca comendo pipoca, uma mulher loura com argolas nas orelhas e roupa de ginástica, uma caixa de supermercado uniformizada, uma figura andrógina de preto e encapuzada.

terça-feira, 3 de setembro de 2013


UM DIA NA VIDA

Sair cedo e provar da cidade acordando, mergulhar ao fundo dos olhos recém-abertos da moça que me serve o café. Sorver o café preto, a contrariedade contida, a selvageria quase esquecida do escravo civilizado. Desbotadas promessas, uma gota vermelha e viscosa escorrega pelo rosto dela e cai em cima de minha mão direita. O que fazer do líquido escuro, parado na cavidade entre o polegar e o indicador, o que fazer de tantos olhos à deriva, flutuando perfeitos entre o nada e o lugar nenhum?   

FETICHE DAS MASSAS

Dormia profundamente. De repente sente algo serpenteando no dorso de sua mão, depois subindo braço acima. Dá um pulo da cama, acende a luz: sobre o lençol branco uma lacraia de dez centímetros fazia sua dança pré-histórica. Em pânico, consegue pegar um tênis, puxar o lençol, jogar a lacraia no chão e destruí-la de um só golpe.

Ainda com nojo, lava a pele usada como trilha pelo bicho escroto, enquanto o primeiro pensamento, involuntário e reconfortante, é dedicado aos olhos azuis da gatinha de Ipanema que havia conhecido naquela tarde, quando ela entrou no escritório com sua bermuda de camuflagem nas selvas, suas mãos de unhas impecáveis e anéis dourados, seus cabelos com reflexos brilhosos.

Vai até a cozinha e abre uma coca-cola. Imediatamente beija a boca da latinha com gosto, sem mais preocupação alguma. Confia na estabilidade das coisas, nos seus hábitos antigos, nas tradições familiares.

domingo, 1 de setembro de 2013



DÚVIDA


Dar conta do real antes de sucumbir ao sono, almejar que a razão triunfe sobre o caos diurno pelo qual atravessei incólume, docemente ausente. Um dia inteiro no deserto ruidoso de afazeres, telefonemas e suor. Que serei eu neste fim-de-linha? Serei quem eu quero ou o que quiseram de mim?